quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

GOTA D'ÁGUA

No meu sertão chove tanto,
lá na minha casa pinga, pinga, pinga e não é cachaça...
Casa caiada, vira-lata valente,
Dor de cabeça, dor de barriga, dor de dente.

No meu sertão chove tanto,
Lá na minha casa pinga, pinga, pinga
E não é cachaça...
Língua de sogra, carro desgovernado,
Mulher preguiçosa, jumento celado.

No meu sertão chove tanto,
Lá na minha casa pinga, pinga, pinga
E não é cachaça...
Bolso furado, menino pelado,
Bicho manso é gato capado, come, come, come,
Dorme, dorme, dorme.


No meu sertão chove tanto,
Lá na minha casa pinga, pinga, pinga
E não é cachaça...
Canoa furada coceira de macaco,
Ciúme de boi, catinga de caboclo,
Nem acaba nem fica pouco.

O balde encheu, a bacia vazou,
O tempo fechado madrugada varou.
E lá na minha casa pinga, pinga, pinga
E não é cachaça.

“Nadas haver”, disse migué:
Pinico de véi, água de cabaça.
“Entonces diveras”, respondeu Sinhá:
Quem quer vai quem não quer manda.

O açude encheu, o riacho transbordou,
Agora pinga, pinga, pinga, é só cachaça...
Garrafa vazia, cara cheia, uma coragem!

Amanheceu o sol raiou,
Pra cada telha uma goteira,
Tudo que é bom dura pouco...
Sonho de criança, chuva de primavera,
Amor de verão, alegria de cachaça.


Enquanto chovia, a gente bebia, a gente comia,
A gente sorria, mulher emprenhava,
Mulher paria, o menino sonhava, a panela cozia.


Agora se acabou a chuva, acabou-se a plantação,
Acabou-se o dinheiro, acabou-se inté a cachaça,
Acabou-se também a graça, e sem dinheiro,
Acabou-se o amor e meus ói se encheu d’água.

Casa vazia, coração partido, cão sem dono,
Navio sem capitão, sem leme sem vela,
Sem rumo, sem direção.

Gota d’água perdi meu gado,
Morreu de sede meu alazão,
Gota d’água traz o caixão,
Pra enfeitar a morte, pra disfarçar a solidão.

Nenhum comentário: